segunda-feira, 11 de maio de 2009

Escritores, cachaça e elucubrações

Quase todo sábado Sousa vinha a minha casa para bebermos em algum lugar. E essa semana não seria diferente. As vezes nem bebíamos. Apenas saiamos andando por ai. Rodávamos a cidade. Sousa escrevia e sempre me mostrava seus manuscritos. Nunca gostei de ler nada de outros escritores. Mas a maioria das pessoas que conheço são escritores. Também escrevo. Mas a minha pretensão é pequena. Não quero um best seller. Ou um nobel. Só escrever me basta. Se pudesse viver das minhas batidas no teclado, tudo bem. Não me preocupa isso. Mas para Sousa era algo diferente. Cada volta que dava gravava na cabeça as idéias e maneira de ver as pessoas. Essa era a maneira de se inspirar. E escrever isso é o que o motivava. Pra ele sua escrita tem uma importância gigante. Só não morreria por ela. Talvez ninguém morresse pelo que se escreve.

Então saímos no seu carro e fomos buscar sua esposa no trabalho. Era casado e com dois filhos. Suas responsabilidades nunca afetaram seu romantismo. Tinha quase quinze anos a mais que eu. Começara a escrever tarde. Fez curso superior. Pós-graduação e virou um literato. Sousa vivia de nostalgia. Me levava para lugares que achava que não conhecia. Me subestima o tempo todo. Talvez seja isso que o faz andar comigo. A idéia de ter coisas pra me mostrar. Ele gosta disso então não me importo. Até gosto do jeito estranho que ele tem de conviver comigo. Pelo menos não é apelativo como os outros que lutam para manter uma amizade. Só andamos juntos e bebemos de vez em quando. Pra mim isso basta. Um bar e algumas cervejas na mesa. Meus melhores amigos são os meus companheiros de bebida. Enquanto se bebe. Só se bebe. Não se precisa de mais nada.

Fomos em um mercado ao ar livre provar uma cachaça que ele dizia que era uma das melhores que já havia tomado. Na banca veio um senhor gordinho. Com o rosto vermelho. Esse realmente era o lugar certo. E a bebida deve ser muito boa ou o cara é realmente muito infeliz pra já estar mamado.

- Aqui tem a melhor cachaça da cidade! Como vai seu Luis?

- Como a vida manda rapaz!

- Baum, baum. Tem daquela cachacinha pra dar um bico ai?

- Na hora! Pode ser na cuia mesmo?

- Oh, se pode!

- Essa é boa mesmo!

- Quer provar rapaz? – Me pergunta com um olhar complassivo.

- Manda ai!

Não consegui tomar em um gole só. Era boa, mas forte.

- Ai ó seu Luis, o rapaz até se engasgou! Ha, ha, ha, uhhh, ha, ha, ha...

- Boa mesmo a cachaça!

- Não te disse que era boa! Então seu Luis, tem uma garrafa dessa pra me vender ai?

- Tenho só mais uma aqui, mas te faço ela por 10!

- Me dá três ai!

- Só tenho cinco!

- Toma dois então e me dá os cinco! Aqui seu Luis, obrigado!

- Mais um bico?

- Na hora!

- E você aceita mais um bico também?

- Não, não, pra mim já ta bom!

De volta pro carro continuamos a andar pela cidade até dar a hora de buscar a mulher de Sousa. Passando pelo centro da cidade tinha um bar aberto com um monte de prostitutas. Sousa queria parar. Mas lembrou da esposa e disse que nunca poderia leva-la em um lugar desses. Mas que queria voltar lá sem ela. Ele é daqueles que escrevem sobre as grandes experiências que tem. Vai em lugares estranhos, faz amizade com qualquer um apenas para ter material para escrever. Sua escrita vem dos outros. Das histórias alheias. Ele é bom nisso. Mas não é tão bom quanto pensa. Nem eu sou tão bom quanto acreditava. Escrever é uma coisa e ser capaz de viver disso é outro bem diferente. Numa de nossas conversas disse isso pra ele.

- Sousa?! Ainda falta muito para nós dois sermos chamados de escritores. Falta muito mesmo.

- É... eu sei disso. Mas o importante é continuar a escrever!

- Escrever é necessário...

À noite ele me liga:

- Posso até não escrever tão bem, mas sou melhor que aquele escritor que escreveu O Apanhador no Campo de Centeio! Como é o nome dele mesmo?

- Salinger!

- Esse mesmo! Escrevo melhor que o Salinger!

- Ta bom!

- E cadê seu último conto? Vai ficar escondendo as coisas que escreve?

- Ta pronto, depois te mostro. – Amigos escritores só lêem os que os outros escrevem para que também sejam lidos, é melhor então que nunca saibam que você escreve também.

- Beleza então, até mais!

- Até!

Esse é o tipo de cara que ele é. Gente boa. Uma montanha de dureza até chegar perto da família. Um cara que quer ser um grande escritor deve ser realmente duro em todos os lugares. Indo para a escola onde sua mulher trabalha passamos por um bar que freqüento durante a semana pra conversar com um maldito. O cara estava lá chupando a sua cerveja enquanto eu curtia um passeio de carro. O passeio é bom. Mas a cidade parecia que ia derreter de tanto calor. Só queria um gole daquela cerveja.

O telefone de Sousa toca. Era seu padrasto. Disse que sua esposa já o estava esperando na porta da escola. Estávamos virando a rua para encontra-la. Na porta ela vem correndo e vamos para a casa da mãe de Sousa. Ela mora três ruas acima da minha casa. Por isso o vejo com uma certa freqüência. Passamos denovo na porta do bar. Dou com a mão para o cara. Só a mão. Meus trocados ainda valem algumas cervejas. Mas estou com Sousa e sua esposa agora. Temos de ser bons homens. Mesmo ela sabendo que preferiríamos estar bebendo a ir buscar ela no trabalho. Ainda temos uma garrafa de cachaça no carro. A tarde ainda não acabou. Dá tempo pra aliviar o estresse de ficar a toa pela cidade.

Mas ao tirar a garrafa do carro na porta da casa da mãe dele sua mulher esbraveja:

- Deixa isso ai! Senão vai beber tudo rapidinho!

- Que isso nega, tu não me conhece?!

- Vamos entrar logo!

É a minha deixa.

- Sousa a gente se vê por ai!

- Não vai entrar?

- Não cara, fica pra próxima.

- Beleza, falou!

Meu carro tinha ficado estacionado na porta de casa. Ainda dá tempo de tomar uma cerveja sem elucubrações sobre as motivações dos outros e sem observações da vida cotidiana. Ainda quero escrever. Bater na máquina. Até publicar uns textos por ai. Só não quero ser lembrado em uma das historietas do Sousa. Não tenho um motivo pra viver. A vida é que me mantém vivo.

7 Clicks:

Anônimo disse...

Felipe gostei do personagem Sousa... e falando em Sousa, sugiro um conto desvelando a personalidade, os tramas e medos .... Fabrizio

Anônimo disse...

Sousa
Por Fábio W. Sousa

Gosto de escrever em courier new. Gosto de escrever em primeira pessoa, isso é bom pra me exercitar. Gosto de ler sem obrigação de ler, sem regras do academicismo. Gosto de escritores medíocres... Não gosto muito de Bukowisk! Sua feição me assusta e me causa náuseas, mas isso não significa que ele seja ruim. Só não é bom o suficiente pra mim. Gosto também dos clássicos profanos, Lawrence é uma sumidade, dos brasileiros gosto de Jorge em que o próprio nome diz: “Amado”. Salinger é mesmo um chute no saco, com aquele idiota do Holden Caufield rodando a cidade numa puta crise existencial, diz tudo, mas nada diz, serve apenas para entender a mente deturpada da juventude americana. Gosto de lugares vulgares como o do submundo das putas, tento ser isento de preconceitos, é por isso que eu entro nos puteiros. Sou fascinado pela cultura afro, gosto de cachaça ao ponto de garantir a sua qualidade. E é nos mercados que se estudam grandes personalidades, verdadeiros trabalhadores que não se escondem debaixo de uma bela saia rodada, agarrados a belos pares de pernas cansadas do baile da vida. Faço sempre o que quero e nunca o que me mandam, não sou livre, mas mesmo assim luto com todas as forças contra os que me privam da vontade de liberdade. Se eu quero beber, fumar e fuder, simplesmente eu bebo, fumo e fodo. Religião eu não a tenho, digo-me católico devido a questões culturais, gosto do candomblé e umbanda da mesma forma e pelo mesmo motivo que gosto da mitologia dos gregos. Se me disserem que tenho que tomar um banho de folhas que mal tem, se bem não fizer mal também não fará. Um ledo engano é dizer que não gosto de estar com o meu bem, meu bem tudo é. Assim gosto de estar em tudo, em tudo estar. Dizer não me é custoso, quase nunca digo não. E estar com os amigos sempre me é muito prazeroso, venero a todos: os comunistas, os católicos, os poetas, os escritores psicólogos, e os amigos com crises existenciais, menos os mórbidos garotos de negro, eles me sufocam a vida. E a vida me é uma dádiva divina.
Quanto à escrita, “sei que nada sou”, parodiando o velho e bom racionalista, Sócrates. Mas também não desisto dela, nem tudo aquilo que me faz bem me é bom, sei disso, e a escrita tem esses nuances em que hora me entristece hora me alegra. Gosto de ser quem eu sou. Eu não vou por aí em busca de uma personalidade, tentando tapar e sufocar minha própria pessoa. Abro os braços e deixo a vida entrar... Entra vida, entra! A vida é uma mulher, e eu adoro uma mulher...

Anônimo disse...

Felipe, o melhor de ti é que vais para além das teorias literárias. A crônica reflete o processo de produção do autor, a sua própria produção e a dicotomia do discurso literário e a vivência. Como sempre, um bom texto que sai do anonimato para a virtualidade.

Bruno Resende Ramos
Projeto Nova Coletânea
http://www.novacoletanea.blogspot.com

Anônimo disse...

Bacana... Só que sou ruim com palavras!

Anônimo disse...

oi

Anônimo disse...

oi, tudo bem

Anônimo disse...

A respeito: "Sousa vivia de nostalgia", não acredito nesta afirmação, acredito nas qualidades próprias de Sousa, da sua individualidade consciente, a sua aptidão pelas coisas libertinas.Esse sim é o Sousa que conheço.

Emilíana Torrini - Jungle Drum


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